quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A história de um lampião

Eu nasci em 1976, ano incrível para a minha pequena aldeia, pois foi também o ano em que chegou a luz eléctrica ao lugar.
No dia em que nasci as pessoas fizeram uma grande festa, diziam estar a comemorar a liberdade, o que é certo é que ficaram acordados até tarde, o que não era usual em tão pacífico lugar e, as crianças brincaram à minha volta até tarde. Os adultos falavam do progresso, dos sonhos que haviam de realizar.
Os meus preferidos foram sempre os velhos, esses sentados nos bancos da praça, falavam dos filhos emigrados que um dia voltariam, dos projectos que trariam e da melhor forma de rentabilizar os recursos da terra.
Era ainda Maio e a terra floria cheia de beleza, esperança e graça.
Foi também sob essa luz, que a Alzira e o Manuel iniciaram o namorico. Os pais dela não queriam, mas tanto piu piu… No fim do ano já andava de barriga e o casamento teve que se fazer.
Ás sextas – feiras era o dia de afiar as facas e o ti jaquim, lá vinha, assustando os pássaros que dormiam ao sol e a Ti Judite passava, coitadinha, toda dobrada do reumático, ia á loja buscar 200 gr. de açúcar branquinho para o bolo da netinha que a viria visitar no fim de semana.
Era Agosto, mês de estio e de suor.
Foi também por essa altura, já não me lembro o ano, que o padre morreu, já muito velho, nunca veio outro, por mais pedidos ao Sr Prior… A Igreja foi fechada e em pouco tempo estava em ruínas. A população se queria, ia à terra vizinha assistir à missa de domingo, desde que a fé fosse maior do que a artrite. As mulheres, dizia-se, não se importavam, sempre tinham oportunidade de comentar as novidades da terra e de trazer novas da terra vizinha, daquelas que não vêm no jornal, mas que são o sal das conversas da semana.
Depois da morte do ti António e do nascimento do terceiro filho, Alzira e Manuel foram para Lisboa trabalhar, ele numa empresa de segurança e ela, lá arranjou lugar de contínua numa escola. Levou a mãe com ela para a ajudar com as crianças, mas afinal, o apartamento era pequeno e a avó adoeceu, já não ajudava, dava era trabalho e o tempo era tão pouco… No lar, que é assim a modos que uma cresce, mas para gente velha, acabou por perder a fala, alguns dizem de desgosto e de saudade. Mas os netos iriam, no Natal, fazer-lhe uma visitinha.
Era Outubro e a praça estava cheia de Outono.
Aos poucos os sonhos dos velhos foram morrendo e os novos, esgotados os sonhos que não eram deles, só tinham olhos para Lisboa.
A loja do Sr Jacinto fechou por falta de clientes e de força do proprietário que este foi, por vontade própria, instalar-se no cemitério da terra.
Agora, trinta anos passados, já ninguém brinca à minha volta, já nem se ouve os pregões da peixeira, nem a máquina de amolar acorda os pássaros… Agora, a mulher do Sr. Jacinto não enxota os miúdos da montra, nem há discussões por causa do moinho. As vozes dos velhos apagaram-se uma a uma, a praça está deserta de dia e de noite. Ninguém veio substituir a minha lâmpada partida, porque a aldeia morreu.
Por isso, outro dia, fiquei espantado quando umas vozes me acordaram, traziam máquinas e falavam alto de uma grande estrada que vai passar mesmo pelo centro da minha praça, diz que trará gente para o interior e que ajudará a fixar a população. Ouvi novamente falar de progresso, liberdade, de projectos… São novas vozes, esperanças e sonhos antigos. Espero que tenham razão, mas eu não estarei cá para ver, pois estou mesmo no caminho da nova estrada, mesmo em frente ao progresso, tal como um dia, estive em frente á loja do ti Jacinto.

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Continuo a ter dificuldade em comentar aquilo que gosto de ler e por isso peço desculpa.

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  3. Por fé, esperança ou desejo, é importante que os sonhos não morram.

    R.

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  4. Olá Isabel, lindo texto e como eu o compreendo. Fui criada pelos meus avós e quando vou à terra fico parada a pensar... Caramba falta aqui tanta gente. Onde está a Severa, a vizinha Carolina as manas Ramada, a Maria Rosa Melancia etc... Olho á volta e ninguém lhes sente a falta só eu e as minhas lembranças. Beijos

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