quinta-feira, 8 de abril de 2010

Uma canção de Inverno

Podemos olhar para dentro de nós e não nos vermos?
Esta pergunta fez-lhe uma vez uma aluna, no final de uma aula, a braços com a adolescência e na descoberta da Filosofia. A Professora olhou para ela e disse sorrindo: Isso acontece a maior parte das vezes…
Pelo caminho de retorno a casa foi pensando, como fazia tantas vezes, no que lhe tinha dito, no que devia ter dito… No que ela teria compreendido…
Até que ligou o rádio e, de repente, uma música a transportou para outro lugar e os seus olhos deixaram de ver a estrada, apenas acompanhavam os significados precisos de um caminho que ela via de forma imprecisa.
Este trajecto que fazia todos os dias inscrevera-se de tal forma na sua memória, que ela deixava que os seus pensamentos a levassem para outras paragens, sem existir o mínimo perigo de se desviar. Este trajecto que um dia não faria por causa daquela canção, ou melhor por causa do que aquela canção significava para ela… todas as suas acções, mantidas e cumpridas até ao momento, tinham a força da decisão de se manter longe daqueles significados, mas embora não soubesse, pressentia, não seria para sempre.
O que será olhar para dentro de nós e vermos um abismo? O que será viver a lutar contra si mesmo? Será que a todos nós, acontece a determinada altura, deixar de nos vermos e perdermo-nos de nós mesmos?
Quem somos então agora? O que sentimos que está longe de nós, mas que queríamos ter sido ou este caminho…
O carro continuou a deslizar pela estrada, agora molhada por uma chuva fininha e miudinha que se suspendia no ar e fazia com que tudo ficasse enublado. As luzes do Natal brilhavam, ainda assim, e até pareciam maiores dentro desta bruma. No final desta tarde de Dezembro, a noite chegava depressa, assim como a saudade…
Desperta por este sentimento a mulher concentrou-se no trajecto que a levava ao fim do seu dia. Até á existência que ansiava pela sua presença.
Na sala, a lareira crepitava e o filho, ainda bebé, adormecera no seu colo, estava na hora de o ir deitar. Na sua caminha, o menino aninhara-se resmungando pelo calor da Mãe. Quando ela o beijou soube que a canção se tinha interrompido, soube também que era a olhar para além de si que se tinha encontrado.