segunda-feira, 12 de julho de 2010

Paradoxo do nosso Tempo

Conversa com George Carlin




Hoje veio ter á minha “caixa de correio”, um email que trazia um texto maravilhoso, um daqueles textos que acendem uma luz no nosso pensamento. As palavras simples e belas expressam de forma clara e sem magoar, com julgamentos apressados, grandes verdades no nosso tempo e forma de vida. Todos nós já tivemos, por vezes, consciência destas situações que encostamos ao canto da nossa razão, aparecem por vezes como uma dor súbita de remorso, despoletadas pelo olhar de alguém ou por uma perda irremediável, dessas que não acontecem de uma vez, mas que vão acontecendo todos os dias, pouco a pouco, mas não é por isso que doem menos.



Sem mais delongas, vamos ler George Carlin…



"Nós falamos demais, amamos raramente, odiamos frequentemente.
Nós bebemos demais, gastamos sem critérios.
Dirigimos rápido demais, ficamos acordados até muito mais tarde, acordamos muito cansados, lemos muito pouco, assistimos TV demais, perdemos tempo demais em relações virtuais e raramente estamos com Deus.
Multiplicamos nossos bens, mas reduzimos nossos valores.
Aprendemos a sobreviver, mas não a viver; adicionamos anos à nossa vida e não vida aos nossos anos.
Fomos e voltamos à Lua, mas temos dificuldade em cruzar a rua e encontrar um novo vizinho.
Conquistamos o espaço, mas não o nosso próprio espaço.
Fizemos muitas coisas maiores, mas pouquíssimas melhores.
Limpamos o ar, mas poluímos a alma; dominamos o átomo, mas não nosso preconceito; escrevemos mais, mas aprendemos menos; planeamos mais, mas realizamos menos.
Aprendemos a apressar nos mas não a esperar.
Construímos mais computadores para armazenar mais informação, produzir mais cópias do que nunca, mas comunicamos cada vez menos.
Estamos na era do 'fast-food' e da digestão lenta; do homem grande, de carácter pequeno; lucros acentuados e relações vazias.
Essa é a era de dois empregos, vários divórcios, casas chiques e lares despedaçados.
Essa é a era das viagens rápidas, fraldas e moral descartáveis, das rapidinhas, dos cérebros ocos e das pílulas 'mágicas'.
Um momento de muita coisa na vitrina e muito pouco na dispensa…


Sim George! Mas, podemos mudar tanta coisa na vida com gestos simples, pois parece-me a mim que quanto mais simples são os nossos gestos, mais eles se tornam parte da nossa rotina e enriquecem de verdade a nossa vida:
Quem sabe se de vez em quando…
Substituirmos o nosso sarcasmo “inteligente” por um sorriso sincero.
Substituirmos o teclado do computador (que para alguns se tornou a extensão do seu corpo) por uma bola e dermos uma alegria a uma criança.
Substituirmos os nossos gritos apressados, por uma voz calma que inspire em vez de assustar as nossas crianças.



... E...

“ Lembre-se de passar tempo com as pessoas que ama, pois elas não estarão aqui para sempre.
Lembre-se dar um abraço carinhoso a seus pais, a um amigo, pois não lhe custa um centavo sequer.
Lembre-se de dizer " eu te amo" à sua companheira(o) e às pessoas que ama, mas, em primeiro lugar, ame-se.
Um beijo e um abraço curam a dor, quando vêm de lá de dentro.
Por isso, valorize sua família, seus amores, seus amigos, a pessoa que o/a ama, e, aquelas que estão sempre ao seu lado."

Obrigada, gostei muito de “conversar” consigo…

terça-feira, 1 de junho de 2010

QUATRO PEQUENAS HISTÓRIAS QUE ACHO QUE VÃO GOSTAR DE LER

As crianças são mesmo o melhor do mundo! E hoje, é dia da criança, dou por este meio os Parabéns a todos aqueles que ainda são crianças, quer porque podem, quer porque querem e que serão sempre crianças, na forma como pensam, como sentem e como agem.
Vivemos num mundo "triste", triste porque se usam pessoas como se fossem apenas gado, em que o individualismo substituí a solidariedade, em que se confunde ter aparência com ter personalidade. Em que "dignidade humana" é apenas uma expressão vazia, em que as demagogias substituem as ideias, e a cópia vale mais do que a imaginação.
A esses artifícios as crianças são imunes! empáticas, curiosas, sensíveis e imaginativas, naturalmente alegres, elas são o que todos deveríamos querer ser. Exigem pouco e dão-nos tudo!Quem me dera que todos pudéssemos ser crianças... Quem me dera que todas as crianças do mundo fossem tratadas como merecem... Um Bem Absoluto!
"O autor e conferencista Leo Buscaglia certa ocasião falou de um concurso em que tinha sido convidado como jurado.O objectivo era escolher a criança mais cuidadosa.
Eis alguns dos vencedores:
1 - Um menino de 4 anos tinha um vizinho idoso cuja esposa havia falecido recentemente.Ao vê-lo chorar, o menino foi para o quintal dele e sentou-se simplesmente no seu colo.Quando a mãe lhe perguntou o que tinha dito ao velhinho, ele respondeu:- Nada. Só o ajudei a chorar.
2 - Os alunos da professora do primeiro ano Debbie Moon estavam a examinar uma foto de família. Uma das crianças da foto tinha os cabelos de cor bem diferente dos outros. Alguém sugeriu que essa criança tivesse sido adotada. Logo uma menina disse:- Sei tudo sobre adopção, porque eu fui adoptada. Outro aluno perguntou-lhe:
- O que significa "ser adoptado"?
- Significa - disse a menina - que tu cresceste no coração da tua mãe, e não na barriga!
3 - Sempre que estou decepcionado com meu lugar na vida, eu paro e penso no pequeno Jamie Scott. Jamie queria muito ter um papel na peça da escola. A mãe disse que tinha procurado preparar o seu coração, pois ela temia que ele não fosse escolhido.
No dia em que os papéis foram distribuídos, eu fui com ela buscá-lo à escola. Jamie correu para a mãe, com os olhos brilhantes de orgulho e emoção:- Adivinha, mãe! E disse aquelas palavras que continuariam a ser uma lição para mim:
- Eu fui escolhido para bater palmas e espalhar a alegria!
4 - Conta uma testemunha ocular de Nova York: Num frio dia de Dezembro, alguns anos atrás, um rapazinho de cerca de 10 anos, descalço, estava em pé em frente a uma loja de sapatos, olhando a montra e tremendo de frio. Uma senhora aproximou-se do rapaz e disse:- Você está com pensamento tão profundo, a olhar essa montra!- Eu estava pedindo a Deus para me dar um par de sapatos - respondeu o garoto... A senhora tomou-o pela mão, entrou na loja e pediu ao empregado para dar meia duzia de pares de meias ao menino. Ela também perguntou se poderia conseguir-lhe uma bacia com água e uma toalha. O empregado atendeu-a rapidamente e ela levou o menino para a parte detrás da loja e, ajoelhando-se lavou os seus pés pequenos e secou-os com a toalha. Nesse meio tempo, o empregado havia trazido as meias. Ela calçou-as nos pés do garoto e também comprou-lhe um par de sapatos. Depois entregou-lhe os outros pares de meias e carinhosamente disse-lhe:- Estás mais confortável agora. Como ela se virou para ir embora, o menino segurou-lhe na mão, olhou o seu rosto com lágrimas nos olhos e perguntou:
- Você é a mulher de Deus?"

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Aos inuteis mais bem pagos do país!

Até hoje não publiquei qualquer frase em qualquer dos meus blogues que não fosse lavra da minha pena. Até hoje... mas a crónica de hoje, trará um escrito que não é meu, mas que subscrevo com admiração. Não quero com isto dizer que já não tenha de igual modo admirado outros escritos, outros ditos e bem ditos textos, no entanto, este, toca-me de modo especial. Este assunto também já o vi "carpinteirado" com elevação e inteligência noutro blogue que sigo com gosto. E muito se disse sobre o caso nesse “bicho carpinteiro”.
Talvez até seja propaganda a mais a uma pessoa que a não merece, talvez até seja dar importância a mais a um facto. Talvez se devesse aplicar a esta situação aquele ditado bem português “Os cães ladram e a caravana passa”, isto sem querer insultar ninguém, nem sequer os cães, bicho leal e sincero e sem segundas intenções. Mas… foi toda uma classe que foi insultada, a frio e vergonhosamente! Sendo assim, sem mais delongas e certa que este escrito se enquadra dentro do espírito livre e sincero das “crónicas do dia seguinte” aqui vai um texto ao qual dou classificação de vinte valores e que me veio ter às mãos, neste caso ao email, porque me enviou uma amiga, que por sua vez lhe tinha sido enviado por outra amiga e por assim a diante… este texto vem assinado e, a escritora não pede em nenhum lugar do texto ou do email o seu anonimato, pelo contrário, assina. Assim, envio-o para a blogosfera como me chegou a caixa do correio, sem alterações, sem ocultações e assumindo inteira responsabilidade por o que está escrito, uma vez que eu o publiquei
.

"Assunto: Fw: FW: A "INÚTIL" (PROFESSORA) escre veu a Miguel Sousa Tavares...

A INÚTIL"(professora) escreveu a Miguel Sousa Tavares.....
Vale a pena ler, muito bem respondido.
'A inútil' escreveu assim a Miguel de Sousa Tavares :
Sobre os Professores
É do conhecimento público que o senhor Miguel de Sousa Tavares considerou 'os professores os inúteis mais bem pagos deste país.' Espantar-me-ia uma afirmação tão generalista e imoral, não conhecesse já outras afirmações que não diferem muito desta, quer na forma, quer na índole. Não lhe parece que há inúteis, que fazem coisas inúteis e escrevem coisas inúteis, que são pagos a peso de ouro? Não lhe parece que deveria ter dirigido as suas aberrações a gente que, neste deprimente país, tem mais do que uma sinecura e assim enche os bolsos? Não será esse o seu caso? O que escreveu é um atentado à cultura portuguesa, à educação e aos seus intervenientes, alunos e professores. Alunos e professores de ontem e de hoje, porque eu já fui aluna, logo de 'inúteis', como o senhor também terá sido. Ou pensa hoje de forma diferente para estar de acordo com o sistema?
O senhor tem filhos? - a minha ignorância a este respeito deve-se ao facto de não ser muito dada a ler revistas cor-de-rosa. Se os tem, e se estudam, teve, por acaso, a frontalidade de encarar os seus professores e dizer-lhes que 'são os inúteis mais bem pagos do país.'? Não me parece... Estudam os seus filhos em escolas públicas ou privadas? É que a coisa muda de figura! Há escolas privadas onde se pagam substancialmente as notas dos alunos, que os professores 'inúteis' são obrigados a atribuir. A alarvidade que escreveu, além de ser insultuosa, revela muita ignorância em relação à educação e ao ensino. E, quem é ignorante, não deve julgar sem conhecimento de causa. Sei que é escritor, porém nunca li qualquer livro seu, por isso não emito julgamentos sobre aquilo que desconheço. Entende ou quer que a professora explique de novo?
Sou professora de Português com imenso prazer. Oxalá nunca nenhuma das suas obras venha a integrar os programas da disciplina, pois acredito que nenhum dos 'inúteis' a que se referiu a leccionasse com prazer. Com prazer e paixão tenho leccionado, ao longo dos meus vinte e sete anos de serviço, a obra de sua mãe, Sophia de Mello Breyner Andersen, que reverencio. O senhor é a prova inequívoca que nem sempre uma sã e bela árvore dá são e belo fruto. Tenho dificuldade em interiorizar que tenha sido ela quem o ensinou a escrever. A sua ilustre mãe era uma humanista convicta. Que pena não ter interiorizado essa lição! A lição do humanismo que não julga sem provas! Já visitou, por acaso, alguma escola pública? Já se deu ao trabalho de ler, com atenção, o documento sobre a avaliação dos professores? Não, claro que não. É mais cómodo fazer afirmações bombásticas, que agitem, no mau sentido, a opinião pública, para assim se auto-publicitar.


Sei que, num jornal desportivo, escreve, de vez em quando, umas crónicas e que defende muito bem o seu clube. Alguma vez lhe ocorreu, quando o seu clube perde, com clubes da terceira divisão, escrever que 'os jogadores de futebol são os inúteis mais bem pagos do país.'? Alguma vez lhe ocorreu escrever que há dirigentes desportivos que 'são os inúteis' mais protegidos do país? Presumo que não, e não tenho qualquer dúvida de que deve entender mais de futebol do que de Educação. Alguma vez lhe ocorreu escrever que os advogados 'são os inúteis mais bem pagos do país'? Ou os políticos? Não, acredito que não, embora também não tenha dúvidas de que deve estar mais familiarizado com essas áreas. Não tenho nada contra os jogadores de futebol, nada contra os dirigentes desportivos, nada contra os advogados.
Porque não são eles que me impedem de exercer, com dignidade, a minha profissão. Tenho sim contra os políticos arrogantes, prepotentes, desumanos e inúteis, que querem fazer da educação o caixote do (falso) sucesso para posterior envio para a Europa e para o mundo. Tenho contra pseudo-jornalistas, como o senhor, que são, juntamente com os políticos, 'os inúteis mais bem pagos do país', que se arvoram em salvadores da pátria, quando o que lhes interessa é o seu próprio umbigo.
Assim sendo, Sr. Miguel de Sousa Tavares, informe-se, que a informaçãozinha é bem necessária antes de 'escrevinhar' alarvices sobre quem dá a este país, além de grandes lições nas aulas, a alunos que são a razão de ser do professor, lições de democracia ao país. Mas o senhor não entende! Para si, democracia deve ser estar do lado de quem convém.
Por isso, não posso deixar de lhe transmitir uma mensagem com que termina um texto da sua sábia mãe:'Perdoai-lhes, Senhor Porque eles sabem o que fazem.'
Ana Maria Gomes
Escola Secundária de Barcelos
REENVIO OBRIGATÓRIO.”

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Uma canção de Inverno

Podemos olhar para dentro de nós e não nos vermos?
Esta pergunta fez-lhe uma vez uma aluna, no final de uma aula, a braços com a adolescência e na descoberta da Filosofia. A Professora olhou para ela e disse sorrindo: Isso acontece a maior parte das vezes…
Pelo caminho de retorno a casa foi pensando, como fazia tantas vezes, no que lhe tinha dito, no que devia ter dito… No que ela teria compreendido…
Até que ligou o rádio e, de repente, uma música a transportou para outro lugar e os seus olhos deixaram de ver a estrada, apenas acompanhavam os significados precisos de um caminho que ela via de forma imprecisa.
Este trajecto que fazia todos os dias inscrevera-se de tal forma na sua memória, que ela deixava que os seus pensamentos a levassem para outras paragens, sem existir o mínimo perigo de se desviar. Este trajecto que um dia não faria por causa daquela canção, ou melhor por causa do que aquela canção significava para ela… todas as suas acções, mantidas e cumpridas até ao momento, tinham a força da decisão de se manter longe daqueles significados, mas embora não soubesse, pressentia, não seria para sempre.
O que será olhar para dentro de nós e vermos um abismo? O que será viver a lutar contra si mesmo? Será que a todos nós, acontece a determinada altura, deixar de nos vermos e perdermo-nos de nós mesmos?
Quem somos então agora? O que sentimos que está longe de nós, mas que queríamos ter sido ou este caminho…
O carro continuou a deslizar pela estrada, agora molhada por uma chuva fininha e miudinha que se suspendia no ar e fazia com que tudo ficasse enublado. As luzes do Natal brilhavam, ainda assim, e até pareciam maiores dentro desta bruma. No final desta tarde de Dezembro, a noite chegava depressa, assim como a saudade…
Desperta por este sentimento a mulher concentrou-se no trajecto que a levava ao fim do seu dia. Até á existência que ansiava pela sua presença.
Na sala, a lareira crepitava e o filho, ainda bebé, adormecera no seu colo, estava na hora de o ir deitar. Na sua caminha, o menino aninhara-se resmungando pelo calor da Mãe. Quando ela o beijou soube que a canção se tinha interrompido, soube também que era a olhar para além de si que se tinha encontrado.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

A Corrida

Saiu e fechou a porta. Desceu os degraus dois a dois, mas sem pressas, como se os seus passos fossem elásticos e os ténis pisassem apenas espuma. Chegou á rua num salto e iniciou uma corrida lenta e cadenciada, em passo largo e movimentos coordenados. Na manhã fria era apenas esta cadência que se ouvia, num eco profundo que devolvia apenas silêncio.
Corria como quem voa, planando sobre o chão, a sua mente estava longe e o corpo livre do seu controlo, fazia apenas os movimentos necessários, felinos e instintivos.
De momento nada levara a querer que estava perto de uma decisão, provavelmente nem ela própria saberia. Nos dias anteriores o seu pensamento andara emaranhado como um novelo, numa tempestade de sentimentos que a mantiveram prisioneira, quieta, calada, em repouso. Hoje, agora, o novelo desenredou-se e a consequência imediata fora o movimento.
O vento que lhe desembrulhava o cabelo era a metáfora da sede de alforria e de leme. Ela chegou ao primeiro cruzamento e escolheu sem abrandar o caminho da direita, mais antigo, menos transitado e que levava, depois da ponte, á passagem de nível. Á medida que o seu corpo aquecia, o seu passo aligeirava, mas sem perder nada da leveza inicial.
Passava pelas casas, pelas árvores habituais sem as ver, sem as olhar, já as teria visto vezes demais. Agora apenas se dedicava afincadamente a manter inconsciente o desejo que a movia, a mantê-lo longe de si, como se albergasse um pensamento que não era o seu. A decisão estava, no entanto, tomada, o caminho escolhido e a acção em movimento, mas o desfecho inevitável da mesma, mantinha-se furtivo no bater do coração, no peso do chão por debaixo dos pés, no vento que lhe gelava a face.
Ouviu, rompendo o silêncio, o longínquo apito do comboio rápido que atravessava o lugar, trespassando-o todas as manhãs. Estugou o passo, ia chegar a tempo. Atravessou a ponte como quem voa e no mesmo movimento saltou sobre a cancela fechada da passagem de nível sem guarda. O último som foi o do comboio, um apito estridente, agregado aos soluços da locomotiva que travou a fundo, arranhou os carris e parou, mas já tarde demais.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Quem são os marginais?

Eu sei que se que isto é um lugar comum e que muitas vezes as pessoas já se perguntaram a cerca disto: Em que local estamos a criar os nossos filhos? Que mundo é este? Em quem podem confiar as gerações mais novas, se aqueles que deviam ser o exemplo de lisura e de espírito comunitário são os primeiros a comprar e a vender “almas”. Como podemos nós educar os nossos filhos? E explicar-lhes como funcionam as instituições do nosso pais, se com a capa do direito prescrevem crimes, se os políticos eleitos por exercício democrático, cospem no espírito de cidadania e na confiança que o povo depositou neles.
Pessoalmente, já ultrapassei o sentimento de indignação, neste momento tenho medo, medo de não saber explicar aos meus filhos, com exemplos concretos, que a legalidade do direito é baseada na moral de um povo. Que o estado é uma pessoa de bem. Que aqueles que nos dirigem são os que se destacam pelo seu espírito de dedicação e de trabalho. Explicar-lhes que vale a pena ser justo, porque há sempre quem saiba o que é a justiça, que vale a pena não mentir, porque a verdade é um valor a enaltecer e não um erro pelo qual se paga bem caro. Explicar-lhes que a consciência não deve ser elástica, de modo a satisfazer os nossos desejos pessoais.
Mas para além do problema que tenho em me fazer ouvir, ainda terei outro problema se eles me ouvirem… O mais provável é estar a fazer deles uns inadaptados, porque não se servirão da primeira oportunidade para enganar ou passar por cima do outro, porque terão vergonha de usar cábulas na escola e mais tarde vergonha de usar dinheiro que não seja ganho com o esforço do trabalho deles. Serão considerados uns lorpas ou pior uns incapazes. Estarei a lutar arduamente para criar marginais?

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Enfermeiras de Sangue

Já anoitecera a algum tempo, no entanto, nos corredores frios do hospital a hora é sempre a mesma, indefinida como que honrando a continuidade eterna entre a vida e a morte. A mulher levava um embrulho branco nos braços, pela forma como o levava adivinhava-se uma criança de tenra idade, talvez um bebé, ela seguia, com alguma dificuldade, talvez devido ao peso, ou ao cansaço, mas tinha que acelerar o passo, não podia perder quem a guiava por um infindável labirinto de corredores brancos, largos e iluminados. Por fim, um elevador e, depois o serviço de pediatria. É fácil reconhecer o serviço de pediatria em qualquer hospital, há como que retoques de cor e formas que mesmo com boa vontade, nos parecem deslocadas e houve-se mais chorar do que gritar pois as crianças sabem que as suas dores são passageiras, mesmo que o não sejam. Acreditam em nós e pedem-nos ajuda, chorando. Raramente gritam ou se calam em desespero.
Naquele momento apenas se ouvia um choro longínquo e abafado, uma lamúria cadenciada de recém-nascido. Os outros dormiam nas suas caminhas brancas de grades protectoras.
A enfermaria dos mais pequeninos ficava logo no início do serviço, era uma sala enorme, em que se perfilavam em cada uma das paredes laterais, três caminhas de grades de cada lado, separadas por um cortinado contendo cada espaço individual, uma mesa com material de apoio médico do qual se destacava um aparelho para medir níveis de oxigénio e batimento cardíaco. Todas as crianças dormiam naquele momento, pela sala também se viam vultos de pessoas semi deitadas em cadeirões reclináveis, cadeiras e uma enorme mesa com uma televisão ultra moderna, no momento, desligada. Apenas o pip ocasional de uma das máquinas interrompia aquela paz. A mulher entrou e, a enfermeira, solícita e prestável, acomodou o menino na caminha central de lado esquerdo, que ainda estava vaga, indicou à mãe um dos cadeirões para descansar.
Esta depressa se apercebeu que aquela paz era apenas circunstancial e que, o choro de um, era acompanhado pelo coro de outros choros que se espalhavam pela sala até criar um som único e alucinante. Mas mais aflitivo do que os pedidos de socorro das crianças eram as máquinas que, combinadas com elas, reforçavam a urgência desse apoio disparando alarmes ensurdecedores e completamente inúteis, uma vez que todos estavam acordados e atentos prontos a prestar auxílio aos mais novinhos que sofriam quer os enfermeiros que, em bando branco, invadiam a sala, a qualquer hora, quer as pessoas, na sua maioria mulheres e mães que estavam vinte e quatro horas por dias e sessenta minutos por hora em atenção exclusiva ao seu bebé doente e por isso se encolhiam, como podiam em cadeiras para passar a noite. É claro que essas mulheres, enfermeiras de sangue, também precisavam de se alimentar, mas revezavam-se e nunca saiam todas. Para jantar iam em bando, como fazem os pinguins, mas aguardavam que chegassem os pais do trabalho e confiavam-lhes os seus amores, ficavam eles, em vez delas, por escassos minutos, uma vez que o tempo deveria ser apenas o necessário para se alimentarem e voltarem para velar junto da sua criança doente. Esse era o momento de encontro com aquele que estando ausente, nunca se ausentava. As palavras falavam de actos de rotina, de tratamentos e de vírus, os silêncios só falavam de amor. E quando partia, ficava no olhar da criança, no seu sorriso mudo e confiante. O dia era pastoso, branco, cheio de dúvidas e de receios. A noite um ensurdecedor grito de desesperos e de esperanças.